Outra
esquerda
Há muito temos clamado, com
muita insistência, pela urgência da construção de uma outra esquerda. Dizendo
melhor, há muito pretendemos ressuscitar a esquerda revolucionária, sob pena de
sermos arrastados, pelo capitalismo, para a tragédia total, para o fim da
sociedade humana, para o fim da própria vida, como vem acontecendo quando rios,
mares, lagos, florestas e faunas são dizimados, sistematicamente; isso sem
falarmos na legião de jovens que são trucidados em função do crescente uso das
drogas e da não menos crescente violência, tanto no trânsito como nas guerras.
Não sabemos se há tempo,
historicamente hábil, para que se construa essa outra esquerda, de forma a
evitar sucumbirmos na tragédia. No entanto, é de nosso dever envidar todos os
esforços no sentido de viabilizar essa tarefa; afinal, já se disse: Viver é
lutar.
Mas o que significa uma
outra esquerda? Antes de tudo, temos que considerar o fato de que, há mais de
noventa anos, não temos uma verdadeira esquerda e, sim, um simulacro, uma
falsificação digna dos camelôs piratas de nossas esquinas. Para melhor
esclarecer essa questão, recorramos à história. O movimento socialista acumulou
sucessivas derrotas. A primeira delas, foi por ocasião da Comuna de Paris, em
1871, quando o movimento operário, ombreado com militantes revolucionários,
anarquistas e, minoritariamente marxistas, lograram uma vitória momentânea,
assumindo o poder por setenta e dois gloriosos dias na capital francesa.
Seguiu-se, a esse momento,
uma acachapante derrota. A contrarrevolução burguesa massacrou, impiedosamente,
os insurretos, o que confirma a máxima do poeta de que “os inimigos não mandam
flores”.
Mas essa derrota da Comuna
de Paris foi plenamente assumida e ensejou a produção de uma rica literatura
socialista. Referindo-se a esse episódio, Karl Marx afirmou que o proletariado
tendia a lamber suas feridas e aprender com suas derrotas para prosseguir na
luta bem mais fortalecido e traquejado.
Posteriormente, quando se
avizinhava o desfecho de uma guerra interimperialista, o movimento socialista
experimentou um novo e profundo embate. Dessa feita, de um lado, estava a
burguesia imperialista empenhada em promover a guerra pela redistribuição do
mercado e das fontes de matéria prima. Mas ante tal feito, a guerra, seria
impossível para eles, caso não contassem com o apoio devotado e irrestrito da
sociedade. Dessa forma, conscientes de que a guerra não é um feito estritamente
militar, tornava-se claro para a burguesia imperialista a necessidade de contar
com todo o apoio da retaguarda e isso só poderia se dar através da agitação
plena da defesa da pátria, da defesa nacional. Para lograr êxito em comover o
povo trabalhador para o exercício da guerra, a burguesia, em litígio entre suas
facções, soube convocar seus políticos, seus tribunos, seus poetas, seus
artistas, seus compositores, seus escritores, para levar o povo à histeria
nacionalista. Um povo pronto a derramar seu próprio sangue para a consecução de
uma guerra que não era sua. Isto, fazia-se necessário, e a burguesia obteve
êxito total nesse seu empenho.
Por outro lado, estavam os
socialistas revolucionários, que diziam ser dever dos trabalhadores evitar a
guerra, pois ela não lhes pertencia, não lhes interessava. Mas, se por acaso,
isso fosse impossível, devia-se negar a matança nas trincheiras e voltar as
armas contra os seus opressores, a burguesia, promovendo insurreições
socialistas.
Entre essas duas forças em
luta, a contrarrevolução imperialista e a revolução socialista, a primeira força
triunfou e o seu triunfo, na Europa ocidental, estendeu-se a URSS, estendeu-se
ao mundo inteiro. A grande tragédia, diferentemente do que ocorreu com a Comuna
de Paris, a derrota não foi assumida e cometeu-se o maior de todos os crimes
contra a humanidade, qual seja, o de apresentar a derrota como se fora vitória.
A partir daí, a contrarrevolução stalinista travestiu-se de esquerda e, em nome
dessa presumida esquerda, cometeu-se e comete-se ainda, as maiores barbaridades
contra a humanidade.
E, assim sem essa “esquerda”,
rotulada de “marxista-leninista” e “marxista-leninista-trotskista”, o
capitalismo não estaria de pé e não teria praticado tantos desatinos, como
foram a ascensão do nazifascismo, o holocausto, Hiroshima e Nagasaki, a derrota
da revolução socialista na Espanha, na Grécia e, sobretudo, na França e na
Itália pós-guerra.
Uma outra esquerda, uma
esquerda realmente revolucionária tem, primeiro que tudo, assumir as derrotas
do movimento socialista. Depois disso, deve denunciar que todos os hediondos
crimes, praticados sob o rótulo do “marxismo-leninismo”, se deram no processo de
construção do capitalismo de Estado. Eis a pedra fundamental para a
reedificação de uma outra esquerda.
Ao lado do reconhecimento
das derrotas, temos que repor as máximas do socialismo revolucionário com a
reposição do princípio da luta de classes, como o motor da história, expurgando
o conceito vil de nação opressora, de nação opressora versus nação oprimida,
como contradição fundamental que rege o processo histórico. Uma outra esquerda
só nascerá de um gesto de coragem para que se ponha por terra os mitos, as
lendas, as mentiras e, sobretudo, a deturpação dos conceitos que o stalinismo
construiu e constrói.
Uma outra esquerda só poderá
existir, caso se tenha a coragem em dizer, de demonstrar que o “rei está nu”.
Uma outra esquerda não poderá usar de meias palavras e terá de assumir que os
crimes do stalinismo, de ontem e de hoje, são crimes da contrarrevolução e,
jamais, do socialismo, como apregoa a direita explicita.
Uma outra esquerda terá por
método a persuasão, o convencimento e, jamais, se constituirá em tropa de
choque disposta à truculência e a expedientes de baixo nível, como a mentira
desbragada, a calúnia, a desqualificação infundada dos oponentes e outros tipos
de condutas que nada têm a ver com uma postura realmente socialista.
Enfim, é crucial ressaltar,
que a democracia política foi o grande legado que nos deixou a história,
através da revolução burguesa. Esse legado político não foi rejeitado pelos
grandes expoentes do marxismo. Diante dele, do legado democrático, afirmaram:
Tudo bem, nos apraz a democracia política que nos permite o direito de ir e
vir; o livre debate; a liberdade de reunião e organização; o voto universal e
secreto... Entretanto, isso não nos basta; além da democracia política
queremos, sobretudo, a democracia social, ou seja, queremos a social
democracia.
Para cumprir a tarefa de
construir o capitalismo de Estado, foi necessário promover a revogação completa
da democracia política e instalar um governo extremamente policial. Nasce, pois,
o fascismo, e o nosso grande drama é que esse fascismo teve como berço a URSS, apresentando-se
com a roupagem de esquerda, afirmando-se construtores do socialismo e, em nome
disso, praticando os já citados hediondos crimes, enquanto a fatura, o
pagamento, ficou por conta da humanidade que amargou e amarga seus nocivos
efeitos.
Uma outra esquerda há que
reconhecer e denunciar o caráter totalitário e fascista da contrarrevolução
travestida de “marxista-leninista”. Lembremos Rosa Luxemburgo quando disse: “Pode haver liberdade política sem
socialismo, porém não pode haver socialismo sem liberdade política”.
O nazifascismo processado,
na Itália e na Alemanha, foi justamente a revogação absoluta da democracia
política e isso aconteceu, antes de tudo, na URSS, como fizemos questão de
ressaltar, para depois se repetir no processo chinês, na Coreia do Norte, nos
“países socialistas” do leste europeu, no Camboja, em Cuba...
Uma outra esquerda tem que
passar a história em pratos limpos, desfazendo lendas, mentiras, embustes,
charlatanismo e, sobretudo, a falsificação dos fatos.
Ousamos propor, que essa
outra esquerda seja chamada de “espartaquista” como forma de resgatar Rosa
Luxemburgo, Julio Martov, Parvel Axerold, Alexandra Kollontai, Franz Mehring,
Georgi Plekhanov, Karl Kautsky, Leon Trostky, de 1904, e outras figuras do
socialismo revolucionário.