Gilvan
Rocha*
Entre
os inúmeros e graves desserviços prestados por uma certa intelectualidade
possuída de desinformação ou má fé, está o indevido carimbo de “socialismo
real” para se referir aos países em que o processo revolucionário socialista
foi derrotado e criaram-se estados policiais, geridos por uma burocracia que se
limitava a levar a cabo o capitalismo de Estado.
A
confusão que se deu, em torno dessa questão, deve-se ao fato de não ter havido
uma análise realmente correta desse processo de derrota da revolução
socialista, a começar pelo processo soviético. Ali, na URSS, travou-se uma renhida
luta entre os que pretendiam preservar os princípios do socialismo e os que
capitularam diante da vitoria da contrarevolução.
Usando, fraudulentamente, o rótulo do
“marxismo-leninismo”, esses senhores que se postaram como linha auxiliar de
sustentação do capitalismo, passaram a vender, com grande sucesso, gato por
lebre, enquanto uma legião de pessoas não se dava conta de que nem sempre o rótulo
corresponde ao conteúdo. Sob o rótulo do comunismo transitou a Terceira
Internacional, praticando, efetivamente, uma política que servia aos objetivos
do sistema socioeconômico vigente, pois a lógica dessa instituição política era
manter a “pátria do socialismo” mesmo que isso custasse, como de fato custou, a
derrota da revolução socialista em escala mundial.
Tudo
isso, repetimos, se deu em decorrência do fato de ter nos faltado uma análise
realmente marxista da Revolução Russa e de seus descaminhos. Os que tinham
estatura política e moral para fazer essa análise seriam Rosa Luxemburgo e Leon
Trotsky. Rosa foi trucidada pela contrarevolução na Alemanha, em princípio de
1919, e não teve tempo de proceder a essa análise, embora tenha produzido um
pequeno ensaio onde já apontava os grandes riscos que atravessavam os
revolucionários russos, diante da tendência de isolamento da revolução
soviética.
Vladimir
Lenine, que chegou a afirmar, em 1920, que se vivia um dilema: ou a revolução
socialista triunfava na Europa Ocidental ou a Revolução Russa pereceria. Insistiu,
porém, em não reconhecer o quadro de derrota e propor uma retirada estratégica;
preferiu perseverar em manter, a qualquer custo, a URSS que, a cada dia,
deixava mais e mais de ser realmente soviética, desde 1921 em um processo
crescente de avanço da contrarevolução que veio se firmar.
Quem
teve tempo suficiente para descortinar a realidade política foi Leon Trotsky,
porém, por diversas razões, negou-se a proceder uma análise realmente marxista
daquele processo, descambando para o idealismo como “revolução traída” , “
revolução desfigurada”, “Estado operário degenerado”, “pátria do socialismo” e
outros absurdos que nos deixavam numa sofrida orfandade política, isto é, sem
termos um instrumento de análise política que correspondesse à verdade
histórica.
Outros
intelectuais não se apresentaram à altura de cumprir a tarefa de dissecar
aquela experiência derrotada e desse reconhecimento, formular-se uma política
realmente condizente com a realidade. Como conseqüência desses fatos, aí está a
situação produzida em função da ausência de uma esquerda revolucionária,
calcada nos princípios do socialismo cientifico. Aí está um sistema capitalista
completamente exaurido, enfrentando sucessivas crises do ponto de vista
econômico e financeiro, porém, politicamente hegemônico, pois é patente a ausência
de um movimento socialista de caráter anticapitalista capaz de representar uma
ameaça de transformação revolucionária.
Para
tornar mais grave o nosso estado de indigência, floresce o “marxismo legal”
amparado nos umbrais das academias a produzir subjetividades e especulações,
quando não, cometer desatinos, imputando como sendo um socialismo real aquilo que nunca chegou a ser socialismo. Devemos
ter a coragem política e intelectual de enxergar nesses senhores, a
desinformação, a má fé e, em muitos casos, o puro charlatanismo que prospera em
função do medo de muitos e do preconceito de tantos que julgam ser as academias
templos do saber, não atentando que isso é uma meia verdade e uma absoluta
mentira se pretendermos que no antro acadêmico possa brotar a ressurreição do
socialismo científico, cruelmente atropelado pelo dogmatismo do
stalinismo-trotskismo, do qual urge que nos libertemos.
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