Repetimos, exaustivamente,
que ninguém pode viver sem um discurso político. Para comprovar, experimentemos
fazer uma ligeira pesquisa entrevistando pessoas. Ao gari, postado em nossa
esquina, perguntamos: Por que, apesar de tantos progressos, existem mais de um
bilhão de pessoas passando fome? Nesse momento, o nosso singelo personagem
apoia-se em sua vassoura e responde: Ah! Meu amigo, o povo não quer mais
trabalhar. Daí, a fome de que você fala. Cônscio da justeza de seu discurso, o
nosso amigo retorna à sua lida, sem perceber que assumira uma posição política.
Seguimos em nossa pesquisa e
abordamos uma contrita senhora, perguntando-lhe: Por que tanta violência no
mundo? E ela, sem pestanejar, afirma: Meu filho é a falta de Deus no coração!
Eis a causa da violência e, com essas palavras, ela pronunciou o seu discurso,
mesmo que ela não tenha imaginado fazê-lo.
Prosseguimos em nossas andanças
e questionamos um professor, indagando da razão de tantas mazelas mundo afora.
Ele afirma, solenemente, que é tudo obra do imperialismo ianque. Não fala no
imperialismo inglês, alemão, francês, canadense, japonês... Tudo, para ele, se
reduz ao imperialismo ianque e, contra ele, vale até se aliar ao fascismo
islâmico.
Permanecendo em nossa busca,
eis que nos colocamos diante do senador Cristovão Buarque. Circunspecto, ele
afirma que o problema do Brasil está na ausência de educação. Retrucamos o
ilustre senhor, lembrando-lhe que a cultíssima e letrada Itália produziu o
fascismo, enquanto a não menos culta e letrada Alemanha produziu o nazismo. Mas
ele muda de assunto, ciente de que o seu discurso lhe rende votos e prestígio.
Vemos, pois, que, desde um
singelo gari ao festejado senador, todos têm um discurso, ou melhor, vários
discursos políticos. A questão, portanto, é avaliar se eles são dotados de
fundamentos. Observamos que nenhum deles se aproximou da verdade, nenhum deles
revelou a verdadeira causa dos nossos crescentes dramas sociais. Nenhum dos
discursos postos afirmou: a humanidade tem cerca de duas centenas de milhares
de anos e, somente a dez ou doze mil anos, deu-se aquilo que se poderia chamar
de “pecado original”. Deu-se o advento da propriedade privada dos meios de
produção e a consequente desigualdade social com todas as suas mazelas e que,
hoje, se apresenta no seu último estágio, o capitalismo imperialista em pleno
processo de exaustão. Entendemos que esse é o discurso que falta ser encontrado
na boca do gari, do professor, do estudante, da dona de casa...
Nenhum comentário:
Postar um comentário