O
menino de óculos
Nascido
no recôndito mais áspero do sertão cearense, o menino logo cedo descobriu que
era gravemente míope e, muito criança ainda, teve que usar óculos de denso
grau.
Essa
condição lhe impediu de ser uma criança igual às outras. Ao contrário das
demais, não podia empinar arraia; não podia jogar futebol ou bola de gude
(bila). Menos ainda lhe era permitido jogar pião. Dessa forma, só lhe restou um
jogo, o jogo das letras. Como existe a crença corrente de que os amantes dos
livros são pessoas dotadas de inteligência e sensibilidade, o menino de óculos
logo ganhou a fama de bem dotado para o saber.
Desconhecendo
o fato de ser o livro apenas uma “mídia” e,
como tal, pode ele ser portador de
lendas, fantasias, logros, charlatanismo, prevaleceu o fetiche de que o livro
era o depositário único do saber, conclusão totalmente equivocada, pois poucos
livros têm essa qualidade.
A
verdade não está, necessariamente, nos livros. A verdade está, sempre, nos
fatos. Eis uma observação que se faz justa.
Para
consolidar o argumento exposto de que não são os livros os depositários do
saber, recorramos a alguns fatos clássicos. Quando Galileu Galilei disse que a
Terra se movia, essa verdade não existia em nenhum livro. Quando Charles Darwin
afirmou que o homem era resultado da própria dinâmica da natureza, ele buscou
essa afirmação nos fatos colhidos, observados e pesquisados durante anos de
trabalho e, não, nos livros, pois eles diziam justamente o contrário da
verdade.
Mas
o menino de óculos tornou-se dono de uma vasta biblioteca, porém despido da
capacidade maior de pensar. Continua navegando nas trevas da ignorância
ilustrada, sem perceber que a convicção é mais grave do que a mentira; sem
perceber que a dúvida é o móvel do saber; sem perceber que o livro volumoso ou
concentrado, é apenas uma “mídia” que
pode ser veículo do ridículo, da fraude, do charlatanismo, assim como, em
última instância, instrumento do saber.
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