VITÓRIA A QUALQUER PREÇO?





Um dos conceitos que precisamos tê-lo bem claro é o conceito de vitória. Comecemos por discutir o conceito de vitória nos processos eleitorais. Devemos ter como ponto de partida quais projetos estão em jogo, quais deles estão representados pelos partidos A, B, C, D... Presume-se que os partidos que se reivindicam socialistas devam perseguir a vitória eleitoral de forma que ela realmente represente ganhos reais para a causa que é defendida. Quando para se obter bons resultados eleitorais caminha-se para um processo de sucessivas concessões ao grande capital ou senão ao atraso popular, essa pretensa vitória está completamente comprometida.

Foi esse caminho para a vitória a qualquer preço que escolheu o PT na disputa que de seu em 2002 para a Presidência da República. O primeiro passo comprometedor foi dado quando esse partido comprou, em moeda viva, o apoio do PL, para que o Sr. José Alencar, militante representativo do grande capital, compusesse a chapa de Lula na condição de Vice-Presidente.

Dava-se assim o casamento entre o capital e o trabalho, coisa completamente estapafúrdia, pois nessa aliança ou predominariam os interesses do trabalho que não foi o caso, ou predominariam os interesses do grande capital como veio a acontecer. O segundo passo dado pelo PT no seu processo de capitulação foi a elaboração de uma “Carta ao Povo”, que na verdade, era uma carta dirigida aos capitalistas assegurando que respeitaria todos os compromissos firmados pelos governos anteriores e não mexeria na política econômico-financeira implantada por Itamar Franco, através do Plano Real. Ou seja, dizendo a burguesia que não se assustasse, pois o leão era mansinho e o PT saberia conter o movimento de massa, e assim o fez de forma tão competente que o grande capital passou a investir maciçamente nas candidaturas petistas, e o líder do imperialismo mundial, Barack Obama, não deixou de reconhecer o seu papel, chamando Lula de “o cara”.

Dessa maneira, para conquistar uma vitória eleitoral, o PT teve que vender a alma ao diabo e se irmanar com o que existe de mais podre e repelente na política brasileira como é o caso específico do PMDB de José Sarney, Romero Jucá, Jader Barbalho, Renan Calheiros, Michel Temer e outros grandes figurões das maracutaias deslavadas.

Assim a pretensa vitória petista não passou de um logro, de uma enganação, onde, para as massas populares, foram dadas migalhas para atenuar o seu desespero e as centrais sindicais e estudantis foram corrompidas, assim como foi corrompido quase todo o movimento popular. E hoje, o capitalismo no Brasil, usufrui uma paz social tão desejada por eles para que tranquilamente continuem usufruindo seus fartos lucros.

É pois, necessário, se ter claro e muito bem claro, o conceito de vitória, pois a partir dele é que poderemos fazer um real balanço da história do movimento socialista, desde seus primórdios. O ponto mais nevrálgico na discussão da história do movimento socialista é sem dúvida o episódio da Revolução Russa. Ali, num determinado momento, vencendo todas as barreiras, foi possível levar avante uma insurreição de caráter anticapitalista e desmantelar por completo o poder de Estado das classes então dominantes e a partir daí instalar um novo poder, que seria, em tese, o poder da classe trabalhadora.

Porém, em face da derrota da revolução mundial a vitória conquistada em 1917, na Rússia, colocou-se diante de um quadro completamente adverso, tendo em vista o projeto que se tinha em mãos. Invadida por exércitos estrangeiros, combatida por tropas mercenárias, a Revolução Russa conseguiu manter-se de pé a um custo muito alto até os anos de 1921, quando então se iniciou um processo crescente de concessões e desvios, de maneira tal que, a vitória de 1917 deu margem a um processo célere de derrotas e a um cenário que deixava claro a impossibilidade de se manter acesa a chama do triunfo.

A vitória do primeiro momento veio a se transformar na mais estupenda derrota do movimento socialista quando permitiu que florescesse em seu seio um fenômeno político de graves consequências para o destino da humanidade: o stalinismo. É preciso ver que o stalinismo não decorre da mente enferma do psicopata Josef Stalin; o stalinismo não se dá a partir da morte de Lênin, como querem muitos. A semente do stalinismo foi plantada no X Congresso do PCUS, quando foi suprimido o direito de tendência abolindo, assim, o livre debate, e instituindo a mais desenfreada repressão, com a criação de uma polícia política, sempre pronta a prender, torturar e executar dissidentes de direita ou de esquerda. O resultado é que esse processo de derrota levou a história do socialismo a registrar que nunca houve em lugar nenhum no mundo um estado operário. Algumas bem sucedidas insurreições vieram depois e instalaram no poder partidos stalinistas, tutores ditatoriais da classe trabalhadora, embora se proclamassem seus representantes. A grande verdade é que Vladimir Lênin e Leon Trotsky, em busca de uma vitória a qualquer preço, terminaram, mesmo que involuntariamente, criando os pressupostos para a edificação do stalinismo, não só em escala local, como em escala internacional, através da Terceira Internacional, presente em todos os recantos do mundo, porém, exercendo o papel de linha auxiliar do capitalismo como são exemplos gritantes a Revolução Espanhola, o processo revolucionário na Grécia, a postura da Terceira Internacional diante da leva revolucionária na França e na Itália, e assim por diante

Registre-se que, no que pese o brilhantismo, a obstinação e o seu martírio, não devemos nos sentir impedidos de dizer que Leon Trotsky teve tempo histórico para proceder sua autocrítica e ao mesmo tempo a crítica ao processo da Revolução Russa. Não o fez. Por vários motivos, deslizou para o idealismo imputando as distorções da revolução ao querer mesquinho e criminoso de indivíduos.

Diz-se, em defesa desses dois gigantes da revolução, Lênin e Trotsky, que eles não reconheceram a derrota em razão de conservar esperanças na reanimação da revolução mundial. É preciso deixar claro, no entanto, que muitos socialistas russos tiveram, na época, a visão de que a proposta socialista havia sido inviabilizada e advertiram os líderes bolcheviques para esse fato, e não foram ouvidos. Alguns desses foram presos e outros executados. Dentre os revolucionários dissidentes, os mais afortunados foram postos no ostracismo e muitos deles terminaram buscando no suicídio a porta de saída para suas frustrações, desencantos e agruras. O processo de consolidação do stalinismo encontrou em Lênin, uma mão de ferro, sempre disposto a mandar executar dissidentes de direita ou de esquerda, chegando ao extremo de mandar fuzilar o socialista de sua convivência, Bulgdanov, por ter publicado um artigo levantando críticas à postura política dos bolcheviques.

Por essas razões, afirmamos que Stalin nada teve que inventar. Partido único, monolitismo, ultra-centralismo, campos de concentração e trabalho forçado para os dissidentes, e mais, a calúnia como instrumento de disputa política, já existiam antes de Stalin alçar o poder.

Tivessem eles, em 1921, reconhecido a derrota, promovido e estimulado a implantação da NEP, como momentaneamente fizeram, e convocado uma Assembléia Constituinte assegurando liberdade em seu processo de escolha, perder-se-iam os anéis, mas teriam ficado os dedos, de importância vital para causa socialista. Os fatos haviam demonstrado soberbamente que na atrasadíssima Rússia, em condições de total isolamento, não havia lugar para a revolução socialista tornar-se vitoriosa. Restava, em função dessas circunstancias, esperar consolidar-se os postulados da revolução democrática burguesa rumo a edificação do capitalismo nos moldes ocidentais, como de fato veio a acontecer. Depois de muitos anos da farsa socialista aí está a Rússia capitalista e isso custou e continua custando um alto preço tanto para o povo russo como para a humanidade em geral.

Vemos, pois, o quanto é necessário termos claro um verdadeiro conceito de vitória e não nos deixarmos embalar por falsos triunfos, que vão desde a Revolução Russa até a vitória eleitoral do Sr. Luis Inácio Lula da Silva no Brasil, motivo de júbilo para os inocentes, assim como para os carreiristas de perfil fisiológico.

04 de agosto de 2011



*Gilvan Rocha é presidente do Centro

de Atividades e Estudos Políticos - CAEP