sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

“A fome tem pressa”


“A fome tem pressa”
                                                                                                                                           É claro que quem tem fome tem pressa. Ninguém de bom senso pode desmentir. Foi partindo daí que o inesquecível Betinho conclamou a todos para a formação de Comitês da Cidadania, cujo objetivo seria acudir os milhões de famintos do Brasil. Setores da classe média, tocados por esse apelo, formaram comitês e se lançaram na tarefa de colher donativos que deveriam chegar para os famintos.

Sob o argumento de que, “quem tem fome tem pressa”, estava embutida uma proposta nada interessante. Propunha-se a suspensão da atividade política, para nos lançarmos em socorro assistencialista de combate à fome. É sensato, porém, que diante de um problema que nos incomode, busquemos a causa. Tentar combater a fome sem buscar erradicar a causa e demover os fatores que a produz, é um caminho fadado ao insucesso.

Ora, sabemos que a fome, assim como outros problemas sociais, tem como causa a vigência de um capitalismo exaurido, cuja alma é a busca de lucro para uns poucos. Sendo assim, deve ser prioridade para os que querem erradicar as mazelas sociais, dar duro combate ao sistema socioeconômico que produz essas mazelas, o Betinho, na sua santa ingenuidade, nos propôs centrar esforços numa política essencialmente assistencialista, dentro da milenar tradição cristã que se caracteriza por administrar a miséria, enquanto nós, socialistas, nos empenhamos em combater a causa e assim erradicá-la.


            Os Comitês da Cidadania deram margem para o posterior programa Fome Zero e este desembarcou de armas e bagagens no tão propalado Bolsa Família. Em todos esses momentos, ficou bastante patente que se optou pelo caminho do gerenciamento da miséria ao invés de se buscar a sua erradicação como pretendem os verdadeiros socialistas. Ora, buscar a erradicação da desigualdade e, por conseguinte, da pobreza e da miséria, nos leva a implementar uma política explícita de caráter anticapitalista. Não podemos, nem devemos ludibriar a boa fé de tantos, nos empenhando tão somente em combater os efeitos, e aí reside o ponto central da questão. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Governo e Poder



Governo e Poder

 

Gilvan Rocha(*)


Aproximam-se as eleições. No seu bojo vem o velho equivoco em torno dos conceitos de governo e poder. A burguesia tem todo interesse em passar a ideia de que governo e poder são as mesmas coisas. Dizendo melhor, ela tem interesse que se imagine ser a conquista do governo o mesmo que a conquista do poder. Em decorrência disso, poucos são os que percebem ser governo e poder categorias distintas. Governos são temporários, rotativos. Enquanto isso, o poder tem caráter permanente, ou seja, governos vão e vem e o poder permanece.

Temos um sistema sócioeconômico, o capitalismo. Em defesa dele existe o poder exercido pelo Estado, pelos aparatos judiciais e legislativos, pelas forças armadas e policiais, tudo isso calcado em um conjunto de leis e doutrinas cujo princípio é a manutenção da “ordem”. Por outro lado, observamos que existem várias políticas de gerenciamento do capitalismo. É em torno das diferentes políticas econômicas que se dão as disputas eleitorais no âmbito do sistema. Assim, cada governo encarna uma política de gerenciamento, uma política econômica, seja ela neoliberal, nacionalista, nacional-reformista...

Os governos, portanto, tem liberdade para implementar determinadas políticas econômicas, mas, caso algum governo ouse conflitar-se com os interesses maiores do sistema, ou mesmo, se mostre frágil ao ponto de colocar em risco o “status quo”, esse governo será, fatalmente, deposto, pouco importando o que digam “a carta magna” ou os discursos democráticos. A deposição de governos pelo poder é fartamente registrada pela história, merecendo destaque a derrubada do governo nacional-reformista de João Goulart e de Salvador Allende no Chile, para citarmos, apenas, dois exemplos.

No rastro da confusão entre os conceitos de governos e poder vem a confusão quanto a natureza das oposições. Uma coisa é opor uma política econômica a outra política econômica. Completamente diferente é fazer-se oposição ao próprio sistema econômico. Na primeira hipótese, vamos encontrar diferentes segmentos comprometidos com o próprio sistema. No caso de oposição a economia capitalista, vamos encontrar, apenas, os verdadeiros socialistas, aqueles que estão bem além de um simples rótulo, de um simples carimbo.

A confusão entre governo e poder é um ato deliberado da cultura burguesa. Lamentável é ver a chamada esquerda, que teria o dever de denunciar essa manobra, compartilhar, por ignorância ou conveniência, desse desastroso equívoco. Em síntese, governo é, apenas, governo e está subalterno ao poder. É ilusório, portanto, que se pretenda chegar ao poder a partir da conquista do governo. Essa ilusão tem nos levado a desastres, cabendo ressaltar, além dos exemplos de João Goulart e Salvador Allende, os exemplos de Largo Caballero na Espanha, Juan Torres na Bolívia, Jacobo Arbenz na Guatemala, Sukarno na Indonésia, casos que redundaram na implantação de ditaduras sanguinárias. Por sua vez, vale registrar os exemplos de “bom comportamento” do PT inglês e da social democracia européia. Estes não conflitaram com o sistema e se reservaram a tarefa de gerenciar o capitalismo para demonstrá-lo viável, palatável, exequível, o que representa uma postura enganosa.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

“DO BLOG CONVERGÊNCIA” - ÁLVARO BIANCHI



“DO BLOG CONVERGÊNCIA”
ÁLVARO BIANCHI
                                                                           Gilvan Rocha*
            Li, com todo respeito e atenção, o texto produzido pelo aludido camarada. Infelizmente, esse senhor busca se escudar em uma pretensa erudição com o claro propósito de inibir a discussão. Suas referências bibliográficas são todas em línguas estrangeiras, pretendendo com isso exibir legitimidade para seus argumentos. A propósito, é oportuno dizer que eu tive um amigo que dominava doze idiomas, inclusive o aramaico, o sânscrito e o hebraico, entretanto ele era apenas um teólogo empenhado em estudar Deus e todas as especulações de ordem espiritual, coisa que, para mim, era totalmente ocioso.
            É necessário dizer que cometi uma injustiça com o camarada Lora, quando deixei de ressaltar as teses de Pulacayo como documento de suma importância no processo da “revolução boliviana de 1952”. Mas não cometi essa censurável omissão por má fé. De qualquer forma apresento, aqui, a minha desculpa pela omissão, embora ela não tenha consequências essenciais em tudo que foi dito no meu artigo “Aos trotskistas”.
            Não é verdade que eu desconheça todas as figuras citadas pelo camarada Álvaro. Por exemplo, li atentamente a obra do reverenciado intelectual Daniel Bensaïd sobre “Os trotskismos”. Conheço as proezas do eterno candidato Alain Krivine que não consegue agrupar, em torno de suas propostas, além de uma ínfima parcela de eleitores. Entretanto, é digno de se dizer que, não obstante a pretensão em existir vários “trotskismos”, isso não isenta da triste verdade de que todos eles têm o seu DNA stalinista, pois levam às últimas consequências a prática do monolitismo e é isso que explica o fato de existirem mais de uma centena de grupos, partidos e movimentos trotskistas se agredindo e se excluindo mutuamente.
            Álvaro Bianchi, na sua indisfarçável arrogância, afirma que eu não tenho o hábito da leitura. Nesse mesmo parágrafo ele tenta desconhecer ou omitir que a obra de Trótski, “Nossa Tarefa Política”, foi escrita em 1904 e nela, profeticamente, o autor denunciava, com veemência, o caráter blanquista, portanto, substituísta, do modelo de partido proposto por Lênin. Ora, essa obra foi zelosamente escondida e, somente em 1979, é que ela se tornou pública e transitou, tão somente, nos guetos dos diversos agrupamentos trotskistas. Sem tergiversação, responda-se: onde estava a obra profética de Trotsky entre 1904 e 1979?
            Álvaro não tem um conceito correto da burrice.  Confunde burrice com desinformação ou má informação. Fiel ao cacoete dos intelectuais “bem formados” de que o trono caberia ao gênio, os espaços de primeira classe caberiam aos talentos e à imensa massa dos burros caberia a tarefa de carregar nas costas o fardo das tarefas sociais necessárias à manutenção da raça.
            Como esse senhor revela-se tão preconceituoso, tão elitista! Mais adiante, chega a dizer, textualmente, que não se deve “gastar tempo com a burrice alheia”. E isso é um testemunho explícito da arrogância stalinista-trotskista e é por aí que se explica o distanciamento dessas organizações com as massas trabalhadoras desinformadas e ”burras”.
            Feitas essas observações, lembramos que temos insistido em dizer que, quando fazemos alusão a qualquer figura pública, somos levados a tecer considerações de ordem moral e de ordem política. Apesar de seus pecados morais, Leon Trotsky contabilizou muitas virtudes. Sua determinação e seus martírios são inquestionáveis. Isso, porém, não o isenta de suas responsabilidades históricas, cujos efeitos foram e são extremamente desastrosos. De sua conduta censurável destaquemos o tratamento que ele dispensou a “Oposição Operária”, liderada por Alexandra Kollontai. Mais grave ainda foi sua conduta caluniosa em relação ao soviete de Kronstadt. E o que dizer de suas mãos sujas de sangue em suas operações repressivas levadas a cabo para consolidar a URSS burocratizada e convertê-la em um Estado eminentemente policial, totalitário?
            Tal qual um bom evangélico, citando capítulos e versículos de obras “sagradas”, o camarada Álvaro Bianchi levanta uma gama considerável de alguns fatos. Não percebe ele que todos os episódios acontecidos no interior do PC russo, principalmente a partir de 1923, deram-se nos limites do partido. Foram batalhas travadas no âmbito da burocracia partidária e as composições e alianças não se distanciavam um milímetro dos corredores palacianos. O povo trabalhador não foi partícipe dessas disputas entre diversas “troikas”. 
            Outro grande pecado praticado pelo citado articulista é tratar a Revolução Russa como se ela estivesse contida em uma redoma, desvinculada totalmente do processo da revolução socialista em escala mundial. Esse equívoco reducionista tem seus efeitos desastrosos.
            Durante seus oitenta anos de existência, o trotskismo só se prestou à triste tarefa de turvar o pensamento político, atribuindo ao rumo da história às ações de traição. “Revolução Traída”, “Revolução Desfigurada”, “Estado Operário Burocratizado”, “Revolução Política Regeneradora”, passou a compor toda tagarelice idealista de Leon Trótski e do trotskismo, eis a questão central que deve ser tratada com a devida seriedade e nunca com o pretenso “show” de erudição dado pelo camarada Álvaro.
            Esclareçamos melhor. Quem determinou o curso da revolução russa foi a derrota da revolução socialista mundial. Aliás, meu caro erudito, em 1919, Vladimir Lênin disse profeticamente: “Ou a revolução mundial avança, ou pereceremos”. Ora, fundamentalmente, a revolução foi derrotada, não por conta, simplesmente, da traição de pessoas ou grupos. É fato que, no processo interno da URSS, o embate revolução e contrarrevolução trouxe à tona heróis, bandidos, algozes, mártires, traidores e traídos. Mas, não é a partir deles que se explica a derrocada do projeto socialista naquele momento histórico. Repitamos, a revolução foi derrotada em escala mundial e nunca, simplesmente, traída. Argumento semelhante se aplica ao conceito de “Revolução Desfigurada”, que se presta a alimentar o equívoco de que o processo mudou de figura não pela sua impossibilidade objetiva de se concretizar e, sim, pela ação nefasta dos pusilânimes e traidores. “Estado Operário burocratizado”! Ora, meu amigo, a URSS não foi um Estado Operário, o poder de estado era monopólio de um único partido, tutelado pelo Comitê Central, portanto caracterizar a URSS como Estado Operário é ilegítimo, é falsear os fatos. “Revolução política regeneradora” é uma colocação desprovida de qualquer sentido, pois somente a retomada da revolução mundial é que pode caber o papel de regenerar a revolução socialista prostituída pelo stalinismo ortodoxo ou pelo stalinismo trotskista.
            É necessário deixar bem claro que não é uma postura consequente se pretender uma “vitória” a qualquer custo. Célebre é alusão que se faz a “vitória de Pirro”, quando se quer dizer que uma presumida vitória pode representar uma profunda e desastrosa derrota. Foi isso, justamente, o que aconteceu na Rússia. O projeto socialista russo só poderia se realizar, unicamente, caso fosse acoplado à revolução socialista mundial vitoriosa. Isso não ocorreu e se descambou para uma atitude extremamente voluntarista, tropeçando os princípios mais comezinhos do socialismo.
            Atropelar as leis da história como fizeram os bolcheviques, negando-se a reconhecer a derrota, teve como consequência, o êxito total da contrarrevolução em escala mundial e, foi daí, que surgiu o mais eficaz instrumento de sustentação do capitalismo: A Terceira Internacional Comunista que, criada para alavancar a revolução mundial, transformou-se em um eficaz braço da contrarrevolução.
            Fossem os dirigentes bolcheviques fiéis ao marxismo teriam reconhecido, em tempo hábil, a situação de derrota em escala mundial e, partindo desse reconhecimento, haveria de processar o necessário recuo tático, evitando danos maiores para a causa socialista. A obstinação insensata produziu vários desastres e nos legou o que hoje nós temos: um capitalismo exaurido, vivendo sucessivas e profundas crises econômicas e financeiras, entretanto gozando de inquestionável hegemonia política.
            Como excelente stalinista-trotskista, mesmo dotado de boa fé, o camarada Álvaro Bianchi faz a seguinte afirmação: “Os editores do Correio da Cidadania precisam explicar porque decidiram divulgar tamanha ignorância”. Ele está se referindo ao fato de que o jornal Correio da Cidadania permitiu a publicação do meu artigo, “Aos trotskistas”. Fosse na “democracia proletária trotskista”, isso não seria permitido, pois as opiniões expostas no citado artigo seriam dotadas de “heresias” e, logo, deveriam ser banidas. A excludência, a intolerância, o totalitarismo, tão próprios dos “Estados Operários e das organizações marxistas-leninistas ou marxistas-leninistas-trotskistas”, são marcas indeléveis desses agrupamentos políticos. Isso foi fatal para que se desse a supressão do livre e respeitoso debate e foi, por essa razão, que se produziu o rebaixamento político, nos levando a uma situação de real indigência teórica.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Coito interrompido



Coito interrompido

            Conversando com um militante socialista, defendi a velha tese, ou melhor, o velho princípio socialista, de que não deveríamos assumir nenhum cargo executivo no capitalismo, fosse Presidente da República, Governador do Estado, Prefeito Municipal, ministérios, secretarias ou autarquias. Não deveríamos assumir cargos executivos por entender que esses cargos representam o Estado e o Estado, no capitalismo, é o exercício do poder político da burguesia. Diante dessa colocação, que não é original, pois ela foi esposada por Rosa Luxemburgo nos idos de 1903, o referido militante ironizou afirmando que essa postura correspondia a um “coito interrompido”.
            Para efeito didático, admitamos que o propósito de uma relação sexual seja a procriação. Nem o coito interrompido, nem tampouco o sexo solitário, levariam a conquistar o objetivo almejado. Dessa mesma forma, buscar a conquista de cargos executivos, nunca levou e nem levará, a nenhum tipo de avanço caso nosso objetivo seja a conquista de uma nova ordem econômica e social. Muito pelo contrário, as “vitórias” tipo Salvador Allende, no Chile, Jacó Arbens, na Guatemala, Largo Caballero, na Espanha, Sukarno, na Indonésia, Leon Blum, na França, não representaram avanços, mas contribuíram para a ascensão de governos fascistas.
            As presumidas vitórias eleitorais a cargos executivos muito se assemelham ao sexo solitário, traz efêmeras alegrias sem consequências positivas, quando não consequências totalmente adversas como a história tem se encarregado de demonstrar fartamente.
Aos socialistas, aos revolucionários, portanto, não cabe construir fantasias e alimentar ilusões. É preciso deixar bastante claro que devemos participar dos processos eleitorais. Devemos, no entanto, saber que nesses processos não estará em disputa o poder, mas, simplesmente, eventuais governos e, como a essência do problema é a questão do poder, não devemos atribuir às eleições o caminho para a construção do verdadeiro poder popular. Não podemos comprar ou vender gato por lebre.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Cuba dos octogenários



Cuba dos octogenários

            Temos repetido com insistência que o ato de pensar dói. Preferimos assumir as ideias e os conceitos já colocados sem ousar questioná-los. Isso cria uma relação acrítica, onde não cabe contestação, não cabe a dúvida. Esse comportamento do não pensar é que permite existir imensas legiões de beatos dispostos a seguir seus credos, de tal forma, que muitas vezes chega-se ao nível do fanatismo e qualquer coisa que conteste algum ponto do seu rosário de “verdades”, apresenta-se como escândalo, heresia.
            Já se disse que a dúvida é o princípio básico do saber. Já se disse, também, que a convicção é muito mais grave do que a própria mentira. Fizemos alusão de que beatos, ou seja, pessoas acríticas e cegamente crédulas, deram margem a que profetas, santos, penitentes, charlatães, reunissem muitos seguidores capazes de pagar com a liberdade ou com a própria vida sua fidelidade àquilo que acreditam “sagrado”.
          Mas seria incorreto se imaginar que os beatos só se aglomeram em torno de prédicas religiosas. Isso não, pois vamos encontrá-los, em grande escala, em diversos agrupamentos de natureza política e isso leva a que, mesmo existindo situações esdrúxulas, os beatos são incapazes de perceber suas notórias extravagâncias. Veja-se o caso patente do fascismo norte coreano praticado em nome do “marxismo-leninismo” e, mesmo assim, alguns beatos defendem, fervorosamente, tão mórbidas experiências feitas, indevidamente, em nome do socialismo ou do comunismo.
      Outro episódio que mereceria reflexão, está ligado ao exemplo histórico dado pela revolução cubana. Ali, há mais de meio século, instalou-se uma “democracia proletária”. No contexto dessa “democracia” não foi  possível florescer novas lideranças socialistas, pelo contrário, aquele processo gerou a supressão  absoluta do livre debate e o resultado final é que, nesse mais de meio século, existem apenas dois destacados dirigentes que, por coincidência, são os irmãos Castro, octogenários e decrépitos, o que retrata o esclerosamento de um processo. Mas, mesmo diante de tantas evidências, os beatos não enxergam que por ali não haverá de passar a caravana libertária.