“DO BLOG CONVERGÊNCIA”
ÁLVARO BIANCHI
Gilvan Rocha*
Li,
com todo respeito e atenção, o texto produzido pelo aludido camarada.
Infelizmente, esse senhor busca se escudar em uma pretensa erudição com o claro
propósito de inibir a discussão. Suas referências bibliográficas são todas em
línguas estrangeiras, pretendendo com isso exibir legitimidade para seus
argumentos. A propósito, é oportuno dizer que eu tive um amigo que dominava
doze idiomas, inclusive o aramaico, o sânscrito e o hebraico, entretanto ele
era apenas um teólogo empenhado em estudar Deus e todas as especulações de
ordem espiritual, coisa que, para mim, era totalmente ocioso.
É
necessário dizer que cometi uma injustiça com o camarada Lora, quando deixei de
ressaltar as teses de Pulacayo como documento de suma importância no processo
da “revolução boliviana de 1952”. Mas não cometi essa censurável omissão por má
fé. De qualquer forma apresento, aqui, a minha desculpa pela omissão, embora
ela não tenha consequências essenciais
em tudo que foi dito no meu artigo “Aos trotskistas”.
Não
é verdade que eu desconheça todas as figuras citadas pelo camarada Álvaro. Por
exemplo, li atentamente a obra do reverenciado intelectual Daniel Bensaïd sobre
“Os trotskismos”. Conheço as proezas do eterno candidato Alain Krivine que não
consegue agrupar, em torno de suas propostas, além de uma ínfima parcela de
eleitores. Entretanto, é digno de se dizer que, não obstante a pretensão em
existir vários “trotskismos”, isso não isenta da triste verdade de que todos
eles têm o seu DNA stalinista, pois levam às últimas consequências a prática do
monolitismo e é isso que explica o fato de existirem mais de uma centena de
grupos, partidos e movimentos trotskistas se agredindo e se excluindo
mutuamente.
Álvaro
Bianchi, na sua indisfarçável arrogância, afirma que eu não tenho o hábito da
leitura. Nesse mesmo parágrafo ele tenta desconhecer ou omitir que a obra de Trótski,
“Nossa Tarefa Política”, foi escrita em 1904 e nela, profeticamente, o autor
denunciava, com veemência, o caráter blanquista, portanto, substituísta, do modelo de partido proposto por Lênin. Ora, essa
obra foi zelosamente escondida e, somente em 1979, é que ela se tornou pública
e transitou, tão somente, nos guetos dos diversos agrupamentos trotskistas. Sem
tergiversação, responda-se: onde estava a obra profética de Trotsky entre 1904
e 1979?
Álvaro
não tem um conceito correto da burrice. Confunde burrice com desinformação ou má
informação. Fiel ao cacoete dos intelectuais “bem formados” de que o trono
caberia ao gênio, os espaços de primeira classe caberiam aos talentos e à
imensa massa dos burros caberia a
tarefa de carregar nas costas o fardo das tarefas sociais necessárias à
manutenção da raça.
Como
esse senhor revela-se tão preconceituoso, tão elitista! Mais adiante, chega a
dizer, textualmente, que não se deve “gastar tempo com a burrice alheia”. E
isso é um testemunho explícito da arrogância stalinista-trotskista e é por aí
que se explica o distanciamento dessas organizações com as massas trabalhadoras
desinformadas e ”burras”.
Feitas
essas observações, lembramos que temos insistido em dizer que, quando fazemos
alusão a qualquer figura pública, somos levados a tecer considerações de ordem
moral e de ordem política. Apesar de seus pecados morais, Leon Trotsky
contabilizou muitas virtudes. Sua determinação e seus martírios são
inquestionáveis. Isso, porém, não o isenta de suas responsabilidades históricas,
cujos efeitos foram e são extremamente desastrosos. De sua conduta censurável
destaquemos o tratamento que ele dispensou a “Oposição Operária”, liderada por
Alexandra Kollontai. Mais grave ainda foi sua conduta caluniosa em relação ao
soviete de Kronstadt. E o que dizer de suas mãos sujas de sangue em suas
operações repressivas levadas a cabo para consolidar a URSS burocratizada e
convertê-la em um Estado eminentemente policial, totalitário?
Tal
qual um bom evangélico, citando capítulos e versículos de obras “sagradas”, o
camarada Álvaro Bianchi levanta uma gama considerável de alguns fatos. Não
percebe ele que todos os episódios acontecidos no interior do PC russo,
principalmente a partir de 1923, deram-se nos limites do partido. Foram
batalhas travadas no âmbito da burocracia partidária e as composições e
alianças não se distanciavam um milímetro dos corredores palacianos. O povo
trabalhador não foi partícipe dessas disputas entre diversas “troikas”.
Outro
grande pecado praticado pelo citado articulista é tratar a Revolução Russa como
se ela estivesse contida em uma redoma, desvinculada totalmente do processo da
revolução socialista em escala mundial. Esse equívoco reducionista tem seus
efeitos desastrosos.
Durante
seus oitenta anos de existência, o trotskismo só se prestou à triste tarefa de
turvar o pensamento político, atribuindo ao rumo da história às ações de
traição. “Revolução Traída”, “Revolução Desfigurada”, “Estado Operário Burocratizado”,
“Revolução Política Regeneradora”, passou a compor toda tagarelice idealista de
Leon Trótski e do trotskismo, eis a questão central que deve ser tratada com a
devida seriedade e nunca com o pretenso “show” de erudição dado pelo camarada
Álvaro.
Esclareçamos
melhor. Quem determinou o curso da revolução russa foi a derrota da revolução
socialista mundial. Aliás, meu caro erudito, em 1919, Vladimir Lênin disse
profeticamente: “Ou a revolução mundial avança, ou pereceremos”. Ora,
fundamentalmente, a revolução foi derrotada, não por conta, simplesmente, da
traição de pessoas ou grupos. É fato que, no processo interno da URSS, o embate
revolução e contrarrevolução trouxe à tona heróis, bandidos, algozes, mártires,
traidores e traídos. Mas, não é a partir deles que se explica a derrocada do
projeto socialista naquele momento histórico. Repitamos, a revolução foi
derrotada em escala mundial e nunca, simplesmente, traída. Argumento semelhante
se aplica ao conceito de “Revolução Desfigurada”, que se presta a alimentar o
equívoco de que o processo mudou de figura não pela sua impossibilidade
objetiva de se concretizar e, sim, pela ação nefasta dos pusilânimes e
traidores. “Estado Operário burocratizado”! Ora, meu amigo, a URSS não foi um Estado
Operário, o poder de estado era monopólio de um único partido, tutelado pelo Comitê
Central, portanto caracterizar a URSS como Estado Operário é ilegítimo, é
falsear os fatos. “Revolução política regeneradora” é uma colocação desprovida
de qualquer sentido, pois somente a retomada da revolução mundial é que pode
caber o papel de regenerar a revolução socialista prostituída pelo stalinismo
ortodoxo ou pelo stalinismo trotskista.
É
necessário deixar bem claro que não é uma postura consequente se pretender uma
“vitória” a qualquer custo. Célebre é alusão que se faz a “vitória de Pirro”,
quando se quer dizer que uma presumida vitória pode representar uma profunda e
desastrosa derrota. Foi isso, justamente, o que aconteceu na Rússia. O projeto
socialista russo só poderia se realizar, unicamente, caso fosse acoplado à
revolução socialista mundial vitoriosa. Isso não ocorreu e se descambou para
uma atitude extremamente voluntarista, tropeçando os princípios mais comezinhos
do socialismo.
Atropelar
as leis da história como fizeram os bolcheviques, negando-se a reconhecer a
derrota, teve como consequência, o êxito total da contrarrevolução em escala
mundial e, foi daí, que surgiu o mais eficaz instrumento de sustentação do
capitalismo: A Terceira Internacional Comunista que, criada para alavancar a revolução
mundial, transformou-se em um eficaz braço da contrarrevolução.
Fossem
os dirigentes bolcheviques fiéis ao marxismo teriam reconhecido, em tempo
hábil, a situação de derrota em escala mundial e, partindo desse
reconhecimento, haveria de processar o necessário recuo tático, evitando danos
maiores para a causa socialista. A obstinação insensata produziu vários
desastres e nos legou o que hoje nós temos: um capitalismo exaurido, vivendo
sucessivas e profundas crises econômicas e financeiras, entretanto gozando de
inquestionável hegemonia política.
Como
excelente stalinista-trotskista, mesmo dotado de boa fé, o camarada Álvaro
Bianchi faz a seguinte afirmação: “Os editores do Correio da Cidadania precisam
explicar porque decidiram divulgar tamanha ignorância”. Ele está se referindo
ao fato de que o jornal Correio da Cidadania permitiu a publicação do meu
artigo, “Aos trotskistas”. Fosse na “democracia proletária trotskista”, isso
não seria permitido, pois as opiniões expostas no citado artigo seriam dotadas
de “heresias” e, logo, deveriam ser banidas. A excludência, a intolerância, o
totalitarismo, tão próprios dos “Estados Operários e das organizações
marxistas-leninistas ou marxistas-leninistas-trotskistas”, são marcas
indeléveis desses agrupamentos políticos. Isso foi fatal para que se desse a
supressão do livre e respeitoso debate e foi, por essa razão, que se produziu o
rebaixamento político, nos levando a uma situação de real indigência teórica.