sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

“DO BLOG CONVERGÊNCIA” - ÁLVARO BIANCHI



“DO BLOG CONVERGÊNCIA”
ÁLVARO BIANCHI
                                                                           Gilvan Rocha*
            Li, com todo respeito e atenção, o texto produzido pelo aludido camarada. Infelizmente, esse senhor busca se escudar em uma pretensa erudição com o claro propósito de inibir a discussão. Suas referências bibliográficas são todas em línguas estrangeiras, pretendendo com isso exibir legitimidade para seus argumentos. A propósito, é oportuno dizer que eu tive um amigo que dominava doze idiomas, inclusive o aramaico, o sânscrito e o hebraico, entretanto ele era apenas um teólogo empenhado em estudar Deus e todas as especulações de ordem espiritual, coisa que, para mim, era totalmente ocioso.
            É necessário dizer que cometi uma injustiça com o camarada Lora, quando deixei de ressaltar as teses de Pulacayo como documento de suma importância no processo da “revolução boliviana de 1952”. Mas não cometi essa censurável omissão por má fé. De qualquer forma apresento, aqui, a minha desculpa pela omissão, embora ela não tenha consequências essenciais em tudo que foi dito no meu artigo “Aos trotskistas”.
            Não é verdade que eu desconheça todas as figuras citadas pelo camarada Álvaro. Por exemplo, li atentamente a obra do reverenciado intelectual Daniel Bensaïd sobre “Os trotskismos”. Conheço as proezas do eterno candidato Alain Krivine que não consegue agrupar, em torno de suas propostas, além de uma ínfima parcela de eleitores. Entretanto, é digno de se dizer que, não obstante a pretensão em existir vários “trotskismos”, isso não isenta da triste verdade de que todos eles têm o seu DNA stalinista, pois levam às últimas consequências a prática do monolitismo e é isso que explica o fato de existirem mais de uma centena de grupos, partidos e movimentos trotskistas se agredindo e se excluindo mutuamente.
            Álvaro Bianchi, na sua indisfarçável arrogância, afirma que eu não tenho o hábito da leitura. Nesse mesmo parágrafo ele tenta desconhecer ou omitir que a obra de Trótski, “Nossa Tarefa Política”, foi escrita em 1904 e nela, profeticamente, o autor denunciava, com veemência, o caráter blanquista, portanto, substituísta, do modelo de partido proposto por Lênin. Ora, essa obra foi zelosamente escondida e, somente em 1979, é que ela se tornou pública e transitou, tão somente, nos guetos dos diversos agrupamentos trotskistas. Sem tergiversação, responda-se: onde estava a obra profética de Trotsky entre 1904 e 1979?
            Álvaro não tem um conceito correto da burrice.  Confunde burrice com desinformação ou má informação. Fiel ao cacoete dos intelectuais “bem formados” de que o trono caberia ao gênio, os espaços de primeira classe caberiam aos talentos e à imensa massa dos burros caberia a tarefa de carregar nas costas o fardo das tarefas sociais necessárias à manutenção da raça.
            Como esse senhor revela-se tão preconceituoso, tão elitista! Mais adiante, chega a dizer, textualmente, que não se deve “gastar tempo com a burrice alheia”. E isso é um testemunho explícito da arrogância stalinista-trotskista e é por aí que se explica o distanciamento dessas organizações com as massas trabalhadoras desinformadas e ”burras”.
            Feitas essas observações, lembramos que temos insistido em dizer que, quando fazemos alusão a qualquer figura pública, somos levados a tecer considerações de ordem moral e de ordem política. Apesar de seus pecados morais, Leon Trotsky contabilizou muitas virtudes. Sua determinação e seus martírios são inquestionáveis. Isso, porém, não o isenta de suas responsabilidades históricas, cujos efeitos foram e são extremamente desastrosos. De sua conduta censurável destaquemos o tratamento que ele dispensou a “Oposição Operária”, liderada por Alexandra Kollontai. Mais grave ainda foi sua conduta caluniosa em relação ao soviete de Kronstadt. E o que dizer de suas mãos sujas de sangue em suas operações repressivas levadas a cabo para consolidar a URSS burocratizada e convertê-la em um Estado eminentemente policial, totalitário?
            Tal qual um bom evangélico, citando capítulos e versículos de obras “sagradas”, o camarada Álvaro Bianchi levanta uma gama considerável de alguns fatos. Não percebe ele que todos os episódios acontecidos no interior do PC russo, principalmente a partir de 1923, deram-se nos limites do partido. Foram batalhas travadas no âmbito da burocracia partidária e as composições e alianças não se distanciavam um milímetro dos corredores palacianos. O povo trabalhador não foi partícipe dessas disputas entre diversas “troikas”. 
            Outro grande pecado praticado pelo citado articulista é tratar a Revolução Russa como se ela estivesse contida em uma redoma, desvinculada totalmente do processo da revolução socialista em escala mundial. Esse equívoco reducionista tem seus efeitos desastrosos.
            Durante seus oitenta anos de existência, o trotskismo só se prestou à triste tarefa de turvar o pensamento político, atribuindo ao rumo da história às ações de traição. “Revolução Traída”, “Revolução Desfigurada”, “Estado Operário Burocratizado”, “Revolução Política Regeneradora”, passou a compor toda tagarelice idealista de Leon Trótski e do trotskismo, eis a questão central que deve ser tratada com a devida seriedade e nunca com o pretenso “show” de erudição dado pelo camarada Álvaro.
            Esclareçamos melhor. Quem determinou o curso da revolução russa foi a derrota da revolução socialista mundial. Aliás, meu caro erudito, em 1919, Vladimir Lênin disse profeticamente: “Ou a revolução mundial avança, ou pereceremos”. Ora, fundamentalmente, a revolução foi derrotada, não por conta, simplesmente, da traição de pessoas ou grupos. É fato que, no processo interno da URSS, o embate revolução e contrarrevolução trouxe à tona heróis, bandidos, algozes, mártires, traidores e traídos. Mas, não é a partir deles que se explica a derrocada do projeto socialista naquele momento histórico. Repitamos, a revolução foi derrotada em escala mundial e nunca, simplesmente, traída. Argumento semelhante se aplica ao conceito de “Revolução Desfigurada”, que se presta a alimentar o equívoco de que o processo mudou de figura não pela sua impossibilidade objetiva de se concretizar e, sim, pela ação nefasta dos pusilânimes e traidores. “Estado Operário burocratizado”! Ora, meu amigo, a URSS não foi um Estado Operário, o poder de estado era monopólio de um único partido, tutelado pelo Comitê Central, portanto caracterizar a URSS como Estado Operário é ilegítimo, é falsear os fatos. “Revolução política regeneradora” é uma colocação desprovida de qualquer sentido, pois somente a retomada da revolução mundial é que pode caber o papel de regenerar a revolução socialista prostituída pelo stalinismo ortodoxo ou pelo stalinismo trotskista.
            É necessário deixar bem claro que não é uma postura consequente se pretender uma “vitória” a qualquer custo. Célebre é alusão que se faz a “vitória de Pirro”, quando se quer dizer que uma presumida vitória pode representar uma profunda e desastrosa derrota. Foi isso, justamente, o que aconteceu na Rússia. O projeto socialista russo só poderia se realizar, unicamente, caso fosse acoplado à revolução socialista mundial vitoriosa. Isso não ocorreu e se descambou para uma atitude extremamente voluntarista, tropeçando os princípios mais comezinhos do socialismo.
            Atropelar as leis da história como fizeram os bolcheviques, negando-se a reconhecer a derrota, teve como consequência, o êxito total da contrarrevolução em escala mundial e, foi daí, que surgiu o mais eficaz instrumento de sustentação do capitalismo: A Terceira Internacional Comunista que, criada para alavancar a revolução mundial, transformou-se em um eficaz braço da contrarrevolução.
            Fossem os dirigentes bolcheviques fiéis ao marxismo teriam reconhecido, em tempo hábil, a situação de derrota em escala mundial e, partindo desse reconhecimento, haveria de processar o necessário recuo tático, evitando danos maiores para a causa socialista. A obstinação insensata produziu vários desastres e nos legou o que hoje nós temos: um capitalismo exaurido, vivendo sucessivas e profundas crises econômicas e financeiras, entretanto gozando de inquestionável hegemonia política.
            Como excelente stalinista-trotskista, mesmo dotado de boa fé, o camarada Álvaro Bianchi faz a seguinte afirmação: “Os editores do Correio da Cidadania precisam explicar porque decidiram divulgar tamanha ignorância”. Ele está se referindo ao fato de que o jornal Correio da Cidadania permitiu a publicação do meu artigo, “Aos trotskistas”. Fosse na “democracia proletária trotskista”, isso não seria permitido, pois as opiniões expostas no citado artigo seriam dotadas de “heresias” e, logo, deveriam ser banidas. A excludência, a intolerância, o totalitarismo, tão próprios dos “Estados Operários e das organizações marxistas-leninistas ou marxistas-leninistas-trotskistas”, são marcas indeléveis desses agrupamentos políticos. Isso foi fatal para que se desse a supressão do livre e respeitoso debate e foi, por essa razão, que se produziu o rebaixamento político, nos levando a uma situação de real indigência teórica.

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