quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O menino de óculos



O menino de óculos

Nascido no recôndito mais áspero do sertão cearense, o menino logo cedo descobriu que era gravemente míope e, muito criança ainda, teve que usar óculos de denso grau.

Essa condição lhe impediu de ser uma criança igual às outras. Ao contrário das demais, não podia empinar arraia; não podia jogar futebol ou bola de gude (bila). Menos ainda lhe era permitido jogar pião. Dessa forma, só lhe restou um jogo, o jogo das letras. Como existe a crença corrente de que os amantes dos livros são pessoas dotadas de inteligência e sensibilidade, o menino de óculos logo ganhou a fama de bem dotado para o saber.

Desconhecendo o fato de ser o livro apenas uma “mídia” e, como tal, pode ele ser portador de lendas, fantasias, logros, charlatanismo, prevaleceu o fetiche de que o livro era o depositário único do saber, conclusão totalmente equivocada, pois poucos livros têm essa qualidade.

A verdade não está, necessariamente, nos livros. A verdade está, sempre, nos fatos. Eis uma observação que se faz justa.

Para consolidar o argumento exposto de que não são os livros os depositários do saber, recorramos a alguns fatos clássicos. Quando Galileu Galilei disse que a Terra se movia, essa verdade não existia em nenhum livro. Quando Charles Darwin afirmou que o homem era resultado da própria dinâmica da natureza, ele buscou essa afirmação nos fatos colhidos, observados e pesquisados durante anos de trabalho e, não, nos livros, pois eles diziam justamente o contrário da verdade.

Mas o menino de óculos tornou-se dono de uma vasta biblioteca, porém despido da capacidade maior de pensar. Continua navegando nas trevas da ignorância ilustrada, sem perceber que a convicção é mais grave do que a mentira; sem perceber que a dúvida é o móvel do saber; sem perceber que o livro volumoso ou concentrado, é apenas uma “mídia” que pode ser veículo do ridículo, da fraude, do charlatanismo, assim como, em última instância, instrumento do saber.

Nenhum comentário:

Postar um comentário