Ainda,
“da Revolução Russa”
Ficamos muito alegre quando pessoas
se dispõem a discutir questões que devem ser consideradas de profunda
importância, como é o caso do companheiro Gílber, abordando o tema em causa.
Referindo-se
à Comuna de Paris, Karl Marx afirmou que “o proletariado sabia aprender com as
suas derrotas, lamber as suas feridas e continuar na luta”. Isso deixou de
ocorrer com a vitória plena da contrarrevolução, através do stalinismo. A
partir daí, não havia mais derrota. Tudo era vitória e, portanto, não haveria
de se fazer nenhuma avaliação de natureza autocrítica. Tratava-se e trata-se de
uma conduta infame.
Essa
herança encharcou todo o movimento dito de esquerda e, para tanto, foi usada a
Terceira Internacional Comunista e seus partidos filiados, sempre dispostos a
pronunciar discursos triunfalistas quando, na verdade, experimentavam-se
derrotas sobre derrotas.
O
camarada Gílber Martins Duarte questiona algumas posições, assumidas por nós,
em relação à Revolução Russa. Para fundamentar as suas restrições, ele fala em idealismo e creio ser oportuno
esclarecer, muito bem, o que é que significa realmente, do ponto de vista do
pensamento e do método, o idealismo. Do ponto de vista filosófico, idealismo
quer dizer que foi a ideia, foi o querer dessa ideia que produziu a realidade
material. Dizendo, de forma mais vulgar, e parafraseando o genial humorista
Millôr Fernandes, os idealistas diziam: “Deus, cansado de viver na ociosidade,
sem nada a fazer, chamou os anjos, os arcanjos, os querubins e os serafins, e
disse: Façamos o mundo”. Assim, o mundo foi feito, a partir do querer, da
vontade de um determinado ser abstrato.
Ao
contrário do idealismo, o materialismo filosófico parte de uma premissa
inversa, qual seja: foi a matéria que precedeu o pensar, que precedeu a
vontade. Antes de Karl Marx houve várias manifestações materialistas;
entretanto, elas repousavam numa visão mecanicista da existência da matéria.
Com Karl Marx foi enunciado o materialismo dialético, apropriando-se da grande
contribuição de Hegel quanto ao método.
Feitas
essas considerações, meu querido Gílber, tratemos da história. Antes de Karl
Marx predominava uma visão idealista. Isso quer dizer, considerava-se que a
história era fruto do querer e, assim sendo, era obra dos gênios, dos talentos,
dos heróis, dos covardes, dos bandidos, dos mártires, dos verdugos, dos
traidores e dos traídos. Marx, apoiando-se na filosofia, ou melhor, no materialismo
dialético, passou a ter uma nova abordagem da história, dizendo, de forma
genial, que “o homem faz a história, porém não a faz de acordo com a sua
vontade, o seu querer”. Nisso consiste o cerne do materialismo histórico, onde
a vontade, o querer, tem o seu papel limitado pelas condições materiais de
existir ou não existir possibilidades para a realização do que se almeja ou não.
Quando
dizemos que Leon Trotsky teve um comportamento estritamente idealista, na
análise da Revolução Russa, é porque ele considerou que ela foi traída quando,
na verdade, ela foi derrotada e, nesses dois conceitos, existem diferenças
abissais. Quando, em 1921, Lenin e Trotsky suprimiram o direito de tendência,
determinaram o partido único, o discurso único e, para implementar essa
política, criou uma polícia e todos os instrumentos de repressão, imaginando
que seriam essas, medidas transitórias, enquanto a revolução mundial se refazia
do seu quadro de derrota, incorrendo no voluntarismo. Desconhecer o quadro
adverso e procurar uma vitória a qualquer custo, redundou num imenso desastre
histórico, do qual, ainda hoje, padecemos profundamente.
A
cultura stalinista canonizou Lenin. A cultura trotskista canonizou Trotsky. A
burocracia soviética necessitava dos seus infalíveis. Hoje, temos a dificuldade
em abordar a Revolução Russa, de forma consequente, pois, para fazê-lo, é
necessário levar em conta que a obstinação dos líderes citados, em perseguir
uma vitória a todo preço, atropelava as condições reais e objetivas, e não é a
vontade que determina o curso da história, embora ela possa ter importância
crucial em determinados momentos objetivamente colocados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário