sexta-feira, 28 de março de 2014

Ainda, “da Revolução Russa”



Ainda, “da Revolução Russa”

                                                                                    
            Ficamos muito alegre quando pessoas se dispõem a discutir questões que devem ser consideradas de profunda importância, como é o caso do companheiro Gílber, abordando o tema em causa.

Referindo-se à Comuna de Paris, Karl Marx afirmou que “o proletariado sabia aprender com as suas derrotas, lamber as suas feridas e continuar na luta”. Isso deixou de ocorrer com a vitória plena da contrarrevolução, através do stalinismo. A partir daí, não havia mais derrota. Tudo era vitória e, portanto, não haveria de se fazer nenhuma avaliação de natureza autocrítica. Tratava-se e trata-se de uma conduta infame.

Essa herança encharcou todo o movimento dito de esquerda e, para tanto, foi usada a Terceira Internacional Comunista e seus partidos filiados, sempre dispostos a pronunciar discursos triunfalistas quando, na verdade, experimentavam-se derrotas sobre derrotas.

O camarada Gílber Martins Duarte questiona algumas posições, assumidas por nós, em relação à Revolução Russa. Para fundamentar as suas restrições, ele fala em idealismo e creio ser oportuno esclarecer, muito bem, o que é que significa realmente, do ponto de vista do pensamento e do método, o idealismo. Do ponto de vista filosófico, idealismo quer dizer que foi a ideia, foi o querer dessa ideia que produziu a realidade material. Dizendo, de forma mais vulgar, e parafraseando o genial humorista Millôr Fernandes, os idealistas diziam: “Deus, cansado de viver na ociosidade, sem nada a fazer, chamou os anjos, os arcanjos, os querubins e os serafins, e disse: Façamos o mundo”. Assim, o mundo foi feito, a partir do querer, da vontade de um determinado ser abstrato.

Ao contrário do idealismo, o materialismo filosófico parte de uma premissa inversa, qual seja: foi a matéria que precedeu o pensar, que precedeu a vontade. Antes de Karl Marx houve várias manifestações materialistas; entretanto, elas repousavam numa visão mecanicista da existência da matéria. Com Karl Marx foi enunciado o materialismo dialético, apropriando-se da grande contribuição de Hegel quanto ao método.

Feitas essas considerações, meu querido Gílber, tratemos da história. Antes de Karl Marx predominava uma visão idealista. Isso quer dizer, considerava-se que a história era fruto do querer e, assim sendo, era obra dos gênios, dos talentos, dos heróis, dos covardes, dos bandidos, dos mártires, dos verdugos, dos traidores e dos traídos. Marx, apoiando-se na filosofia, ou melhor, no materialismo dialético, passou a ter uma nova abordagem da história, dizendo, de forma genial, que “o homem faz a história, porém não a faz de acordo com a sua vontade, o seu querer”. Nisso consiste o cerne do materialismo histórico, onde a vontade, o querer, tem o seu papel limitado pelas condições materiais de existir ou não existir possibilidades para a realização do que se almeja ou não.

Quando dizemos que Leon Trotsky teve um comportamento estritamente idealista, na análise da Revolução Russa, é porque ele considerou que ela foi traída quando, na verdade, ela foi derrotada e, nesses dois conceitos, existem diferenças abissais. Quando, em 1921, Lenin e Trotsky suprimiram o direito de tendência, determinaram o partido único, o discurso único e, para implementar essa política, criou uma polícia e todos os instrumentos de repressão, imaginando que seriam essas, medidas transitórias, enquanto a revolução mundial se refazia do seu quadro de derrota, incorrendo no voluntarismo. Desconhecer o quadro adverso e procurar uma vitória a qualquer custo, redundou num imenso desastre histórico, do qual, ainda hoje, padecemos profundamente.

A cultura stalinista canonizou Lenin. A cultura trotskista canonizou Trotsky. A burocracia soviética necessitava dos seus infalíveis. Hoje, temos a dificuldade em abordar a Revolução Russa, de forma consequente, pois, para fazê-lo, é necessário levar em conta que a obstinação dos líderes citados, em perseguir uma vitória a todo preço, atropelava as condições reais e objetivas, e não é a vontade que determina o curso da história, embora ela possa ter importância crucial em determinados momentos objetivamente colocados.

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