Caro Paulo Roberto Pinto
Gilvan
Rocha (*)
Realmente, você diz algumas verdades,
porém fora de lugar. Tratemos das questões por você levantadas. É verdade que a
desigualdade social é bem anterior ao capitalismo. A história da humanidade tem
cerca de duzentos mil anos de existência e a desigualdade social tem apenas
doze mil anos; ou seja, trata-se de um fenômeno relativamente recente. Vale
deixar claro que essa desigualdade foi produto do surgimento da propriedade
privada dos meios de produção e que teve, no escravismo, a sua manifestação
mais cruel e mais duradoura, pois existiu durante cerca de seis mil anos.
Assim sendo, é verdade que o capitalismo
é um sistema socioeconômico bastante novo. Também é verdade que esse sistema
teve um longo processo de maturação. Houve o capitalismo mercantilista, que
existiu no seio da própria ordem feudal e com ela conviveu por longos e
atribulados anos.
O surgimento e o crescimento das
manufaturas, o alargamento do mercado, a descoberta do novo mundo e do caminho
marítimo para o Oriente, somados a outros fatores, tornaram o capitalismo
dotado da robustez necessária para que empreendesse revoluções vitoriosas.
A primeira revolução burguesa aconteceu
em 1609, na Holanda, por ocasião da guerra de libertação holandesa do jugo do
absolutismo feudal espanhol. A esse episódio seguiu-se, em 1645, a guerra civil
na Inglaterra, quando a burguesia ascendente travou sua luta contra o
feudalismo representado pelo rei Carlos I e logrou a vitória. A rigor, até se
poderia dizer que a primeira revolução burguesa deu-se na Inglaterra e ela
trouxe consigo um surto de crescimento econômico nunca dantes imaginado. Mas
não foi somente no terreno da economia que as revoluções burguesas se mostraram
progressistas, avançadas. Grande foi o legado político no quesito das
liberdades democráticas.
Depois desse fato histórico, houve uma
generosa e rica literatura em torno da proposta de uma sociedade capitalista
que rompesse, radicalmente, com as amarras do atraso feudal. Foi aí que desabrocharam
os iluministas, cabendo destaque para as figuras de Voltaire, Rousseau,
Montesquieu e Diderot. Essa literatura contribuiu, de forma inquestionável,
para a consolidação de uma proposta eminentemente democrática. A instituição do
direito de ir e vir, o voto universal e secreto, o direito à livre opinião e
organização, entre outros ganhos, tornaram-se as maiores conquistas desse
processo.
Aconteceu, entretanto, meu caro Roberto
Pinto, que o capitalismo progressista, revolucionário, depois de cumprir
diversas etapas, entrou em um processo natural de exaustão. Dito, em outras
palavras, de revolucionário o capitalismo tornou-se anti-histórico, anacrônico.
Quando, em 1912/13, deu-se o grande
embate político entre o capitalismo, em sua fase imperialista, e as forças do
socialismo em torno da questão da guerra, aconteceu que a política de defesa da pátria ou defesa nacional
conseguiu triunfar, derrotando a premissa internacionalista e revolucionária do
socialismo. Isso quer dizer, meu caro, que naquela ocasião iniciou-se um
processo de confronto entre os conservadores do capitalismo e os
revolucionários socialistas. O resultado final desse embate, para pesar da
humanidade, é que se deu a vitória plena da contrarrevolução imperialista. Mas
houve um certo surto de esperança em reverter esse quadro de derrota, a partir
da revolução bolchevique de 1917. Essa possibilidade não aconteceu e a
contrarrevolução se consolidou, estendendo suas garras para o interior da URSS.
O trágico de tudo isso é que, sobre os
escombros da velha Rússia feudal, erigiu-se o capitalismo de Estado, sob o
rótulo do comunismo, o que representou e representa um profundo prejuízo para a
causa libertária da humanidade. A construção do capitalismo de Estado, numa
Rússia arruinada, se deu através de um alto custo político e social. Revogaram-se,
ali, todas as conquistas democráticas burguesas e se estabeleceu um Estado
autoritário e extremamente policial. Estabeleceu-se, ali, o discurso único, a
imprensa única, o partido único, enquanto cresciam os campos de concentração,
as execuções sumárias e o os julgamentos fraudulentos. Não bastassem tantos
crimes cometidos em nome do comunismo e do socialismo, a construção do
capitalismo de Estado promoveu, também, as maiores agressões ao meio ambiente.
Hoje, vivemos um quadro alarmante. De um
lado, um sistema completamente esgotado, vivendo sucessivas crises econômicas e
financeiras, sem nenhuma possibilidade de oferecer esperanças de que as
inúmeras mazelas sociais sejam resolvidas; entretanto, gozando de uma quase
absoluta hegemonia política. Por outro lado, uma autoproclamada esquerda,
assumindo-se “marxista-leninista” e “marxista-leninista-trotskista”,
completamente falida, enquanto o socialismo revolucionário encontra-se acuado em
pequenos guetos.
Essas questões devem ser refletidas sem
rancor e sem a intolerância própria dos beatos, dos crédulos acríticos. Somente,
através do livre debate, é que poderemos chegar à verdade histórica, e ela se
faz sumamente necessária.
Abraços,
Gilvan Rocha (*)
Presidente do
CAEP -
Centro de Atividades
e Estudos Políticos
Acredito que Gilvan Rocha tem razão parcial nesta análise. Os dois pontos críticos, para mim, são a conclusão de que o capitalismo esgotou-se (que é apenas torcida, e não um fato) e a miragem de um socialismo com liberdade. Embora não se possa atribuir a Gilvan Rocha a inocência da juventude, lembrei-me deste artigo que oferece um contraponto adequado aqui: LIBERDADE, DEMOCRACIA E MARXISMO: ESTRANHO FETICHE.
ResponderExcluirhttp://questoesrelevantes.wordpress.com/2014/02/09/liberdade-democracia-e-marxismo-estranho-fetiche/